Carrões de última geração, hospedagem em hotéis badalados, ampla cobertura jornalística e excelentes centros de treinamentos. Dentro deste contexto, parece tudo normal quando falamos da Seleção Brasileira nos preparativos para mais uma Copa do Mundo. Contudo, quando tratamos do time feminino, a realidade é totalmente diferente, mas a cobrança nas Olimpíadas não é proporcional ao apoio/investimento. Agora, atletas cansaram de pedir melhorias e resolveram buscar visibilidade para suas reclamações.
O estopim para esta decisão foi a recolocação do técnico Oswaldo Alvarez (Vadão) no lugar da demitida Emily Lima. Assim como na modalidade masculina, o cargo de técnico de futebol é o mais arriscado do esporte. Mas, diferente dos antecessores, Emily foi aquela com menor tempo à frente da Seleção. Este um dos motivos de reclamações das jogadoras.
- Emily é demitida e Cristiane se aposenta da Seleção
- Brasil goleia em estreia de Emily na Seleção Feminina
Emily foi demitida em 22 de setembro, logo após dois amistosos perdidos na Austrália. A treinadora comandou o time por 13 partidas, sendo sete vitórias, um empate e cinco derrotas. Mas, de acordo com a treinadora, sua demissão não foi pelos resultados, mas por excesso de trabalho. “Saio de cabeça erguida, sabendo que toda a comissão técnica trabalhou e fez um trabalho diferente. Mas isso era errado para o nosso coordenador. O Marco Aurélio me falou várias vezes que eu trabalho demais e que trabalhar demais é errado”, disse Emily.
A demissão repentina por derrotas para times de melhor ranking: Estados Unidos, Alemanha e três vezes para Austrália, pegou muita gente de surpresa. Justamente por conta do objetivo que era a médio prazo, preparar o time para a Copa América 2018 e Olimpíadas de Tóquio. Tanto é que a treinadora resolveu mesclar jovens jogadoras com outras experientes para encontrar novas formas táticas, antes de fechar o grupo.
Em meio a saída de Emily e o retorno de Vadão, as jogadoras que estiveram na Austrália solicitaram a manutenção da treinadora e tiveram o apelo negado.
Devemos levar em consideração o tempo hábil para se trabalhar, as seleções que foram enfrentadas e, principalmente, a mudança de conceito em relação a treinamentos e jogos para resgatar novamente o futebol brasileiro”, trecho da carta escrita pelas atletas.
Atletas se rebelam em busca de mais reconhecimento
Ao longo dos últimos dias, várias jogadoras pediram dispensa da Seleção. Alegam que não usarão mais a camisa canarinho enquanto a modalidade for tratada com amadorismo. A primeira foi Cristiane, após 15 anos desde sua estreia. Ela foi seguida por Rosana, Fran e Andréia Rosa. As declarações das atletas colocaram a Seleção Feminina de volta no noticiário, lançando uma luz e convocando um amplo debate.
Fomos conversar em exclusividade com Francielle Alberto, ou simplesmente Fran, para entender os motivos que provocaram esta decisão. Ela atuou por mais de 10 anos no Santos e ano passado foi campeã da Copa do Brasil pelo Audax/Corinthians, hoje defende as cores do Avaldsnes, da Noruega.
O que te influenciou a tomar essa atitude de romper com a Seleção?
“Realmente não foi uma decisão fácil, mas já estava bem formada na minha cabeça, se a comissão saísse dessa forma injusta com pouco tempo de trabalho eu não iria continuar. Talvez continuaria se fosse outra comissão técnica, entendendo que ela saiu pelos resultados mesmo, mas são foram esses motivos.”
Com 12 anos atuando pelas Seleções, qual principal mudança com o trabalho da Emily?
“O diferencial foi muito trabalho e coragem de tentar mudar o estilo de jogo. Sair do chutão e fazer um jogo com saída de bola, jogo apoiado com aproximações para envolver os adversários.”
O que faria você repensar sua decisão?
“Mudança na CBF, desde dirigentes, melhorias para a modalidade e reconhecimento pelo trabalho que estava sendo feito.”
Fran atuou por vários anos no Brasil, sentindo na pele a falta de estrutura dos regionais e campeonatos nacionais. Questionamos ela sobre o que sentiu de diferença nestes poucos meses em que atua na Noruega. “Tem um nível físico melhor. Aqui o jogo tem muito contato, força e no Brasil é mais técnico. E força é o que nos falta, às vezes, quando enfrentamos as gringas”, destacou.
Questionada sobre a regra da Fifa que obriga clubes a ter times femininos para participar de competições internacionais, Fran vê como benefício para modalidade. “Teria mais equipes de camisa e, consequentemente, mais atletas qualificada por haver mais times e o nível ser melhor”, diz ela.
Durante a entrevista, a atleta destacou coisas simples, básicas, que deveriam ser primordiais para ter desempenho de ponta. E não estamos falando de carros de luxo ou hotel cinco estrelas. Coisas como alimentação, moradia para jogadoras que precisavam, centro de treinamento e salário em dia já são coisas para comemorar no amador futebol feminino do Brasil.
O que diz as outras atletas?
“Assinamos cartas e já nos posicionamos de outras formas, mas não fomos ouvidas, mas hoje chega! E CBF, não é só para aumentarem a diária para falar que fizeram algo, é realmente tratar o futebol feminino brasileiro como merece ser tratado, definitivamente”, revela Andreia Rosa.
“É uma manifestação para que olhem com mais carinho para o futebol feminino e a modalidade no geral. É para as pessoas ouvirem as atletas”, pede Rosana.
“Sempre sonhei em colocar medalha de ouro, levantar troféu de campeã mundial e ajudar a modalidade de alguma maneira. Se não pude ajudar tanto em 17 anos como atleta, espero ajudar como ex-atleta”, concluiu Cristiane.
Formiga, que se aposentou da Seleção há pouco tempo, deu entrevista ao Sportv e destacou a falta de tempo para Emily. “Se falava tanto de renovação, de evolução do futebol feminino no país, e com essa atitude a gente vê que realmente não é a intenção fazer o futebol feminino evoluir”.
Dois lados e o mesmo objetivo
Muitos falam em racha, divisão em dois grupos. Aquelas que estão ao lado da Emily e aquelas que optaram por não se posicionar. Analisando os pontos apresentados por atletas que preferiram a aposentadoria e os argumentos de Marta, vemos que as duas têm reivindicações coerentes. A nossa Rainha preferiu permanecer na Seleção e diz que vai brigar por dentro do sistema.
“A minha opinião é a mesma que eu tinha quando trocaram o Vadão, a gente precisa de tempo para trabalhar. Não dá para fazer acontecer os resultados de um dia para o outro no futebol feminino, mas a gente sabe como nossa cultura no Brasil é baseada em resultados”, comentou.
Marta não assinou a carta que pediu a permanência de Emily e destaca que cobrou postura das jogadoras, pois a responsabilidade pela falta de resultado passa também pela atitude delas em campo. “Eu cobrei todas as atletas para que elas realmente enxergassem o que estavam fazendo dentro de campo. Porque muito daquilo era devido ao nosso trabalho que não estava sendo feito de maneira adequada”, destaca.
Todo este assunto em questão que envolve a saída de várias jogadoras e a postura de Marta, que é a maior artilheira da história do futebol feminino, foi comentada por Romário, justamente pelo seu histórico de briga com a Confederação Brasileira de Futebol. “Tudo que se refere ao futebol brasileiro, principalmente onde a CBF está metida, com certeza alguma coisa não está correta. Tenho acompanhado as entrevistas das jogadoras que se aposentaram e elas são bem claras em dizer que a CBF é o câncer do futebol. tenho certeza que a Marta já entende melhor o que é a CBF, principalmente pela saída das companheiras. Mas quem sou eu para dizer que ela tem que sair. Ela que decide” – disse.
O site Dibradoras lançou um manifesto por mais respeito ao futebol feminino, no qual faz algumas exigências.
Nós pedimos para que as jogadoras se posicionem ainda mais e que vão além: que se unam, exijam respeito e espaço para diálogo. O jogo só existe por causa de vocês, as estrelas maiores do espetáculo que é o futebol. Então, vocês merecem ser ouvidas! Leia na íntegra aqui.
O próximo compromisso da Seleção já está definido. Será a Copa CFA Yongchuan, de 19 a 24 de outubro, em Chongqing, na China.